Entrevista com Jaime Guedes: A experiência como formado PEC-G
- Ashinaga Brasil
- há 18 horas
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A educação transformadora é capaz de cruzar fronteiras e reescrever trajetórias. Nesta entrevista, conversamos com Jaime Guedes, especialista local da Iniciativa Ashinaga África em Angola, cuja jornada acadêmica no Brasil, através do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), foi marcada por desafios, superações e conquistas.
Desde enfrentar o racismo nas salas de aula da Universidade Federal Fluminense (UFF) a se tornar professor, empresário e referência em Angola, Jaime compartilha lições sobre adaptação, resiliência e o poder da formação internacional. Sua história revela não apenas os obstáculos de estudar no exterior, mas também o impacto duradouro que uma oportunidade como o PEC-G pode ter na vida de jovens dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
1. Para começarmos, poderia se apresentar e contar um pouco sobre sua trajetória acadêmica e profissional?
Sou Jaime Guedes da Silva, angolano, casado e pai de duas meninas. Minha formação básica foi em escolas públicas de Angola: a Primária da Baixa Vidrul, o primeiro ciclo na Escola 8007, no Morro do Kifangondo, e o Ensino Médio no Instituto Nacional de Estatística (INE) de Cacuaco. No Brasil, formei-me em Engenharia de Petróleo pela UFF e depois concluí um mestrado em Gestão Ambiental na Universidade Europeia do Atlântico, na Espanha.
Ao retornar à Angola, em 2017, passei dois anos desempregado até iniciar a carreira como professor de Física, em 2018. Hoje, além de lecionar no Instituto Técnico de Saúde do Bengo (ITSB) e na Universidade Lusíada de Angola, sou microempresário nas áreas de agricultura, transporte e mecânica.
2. O que te motivou a estudar no Brasil por meio do PEC-G? Como foi esse processo para você?
Em 2011, descobri o PEC-G através de um primo. Escolhi o Brasil por três principais motivos: os recursos financeiros limitados, a facilidade de acesso às universidades federais e a adaptação cultural (língua, clima e alimentação similares). Mas o processo foi burocrático e demorado. Tive que lidar com documentos, custos extras e ansiedade até a aprovação na UFF, que veio em janeiro de 2012.
3. Como foi sua adaptação ao Brasil? Quais foram os maiores desafios e aprendizados?
No primeiro ano, fui o único africano e negro nas turmas. Colegas não me incluíam em grupos ou sequer se sentavam perto de mim. Só depois entendi que era racismo, um conceito que não fazia parte da minha vida ou do meu vocabulário. Superei me destacando academicamente: virei monitor de disciplinas difíceis e líder de grupos. Mas também enfrentei a violência policial: fui detido sem motivo e minha carteira de estudante foi questionada. Por outro lado, amigos e conhecidos brasileiros, por muitas vezes, me acolheram e tornaram a minha experiência no Brasil mais humana.
4. Existe alguma lembrança marcante do seu período de graduação no Brasil? Alguma experiência que tenha mudado sua forma de ver o mundo?
Foram experiências positivas e negativas. Uma das experiências mais marcantes da minha vida, enquanto estudava no Brasil, foi quando fui detido pela polícia na rua enquanto me deslocava para a academia, arbitrariamente. Por outro lado, fui imensamente acolhido pela família Rocha, de Piratininga, que todos os finais de semana me convidavam para ir em sua casa passear e ficar hospedado com eles.
5. O que te motivou a voltar para Angola após a graduação? Sempre foi seu plano ou você considerou outras opções?
Após a graduação, voltei em Angola porque, em primeira instância, o visto já havia expirado, além da vontade de trabalhar e contribuir para o desenvolvimento em meu país e a saudade da família. Cheguei a tentar trabalho em grandes agências brasileiras, como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP), no Consulado de Angola e na Petrobras, mas não obtive sucesso.
6. Você sente que sua formação no Brasil te preparou bem para atuar profissionalmente em Angola? Alguma habilidade ou conhecimento se destacou?
Felizmente, tive uma ótima, completa e diversificada formação, o que contribuiu para que eu me adaptasse muito rapidamente em profissões que exerço em Angola. Alguns dos conhecimentos que obtive na grade curricular de Engenharia do Petróleo que hoje faz toda diferença foram as disciplinas de Inovações Tecnológicas, Gerenciamento de Projetos e Excel avançado, além de outras não menos importantes.

7. Existe um reconhecimento positivo do diploma brasileiro no mercado angolano e de outros PALOP?
Possuir o diploma brasileiro em Angola tem vantagem e desvantagem. A vantagem é que te destaca dos outros pelo nível de conhecimento que se adquire em universidade federais no Brasil e a desvantagem é que muitos acham que “roubaremos seus empregos”, pelo alto nível de reconhecimento da universidade em que estudamos no Brasil.
8. Como você avalia o impacto do PEC-G na sua vida e na sua carreira?
O PEC-G mudou minha vida para sempre. Hoje, não me vejo como homem e profissional sem os conhecimentos que a experiência me trouxe. Graças ao PEC-G, hoje sou um excelente professor, empresário e pai de família.
9. Que conselho daria para estudantes dos PALOP que estão considerando estudar no Brasil através do PEC-G?
A todo cidadão dos PALOP que pretende ingressar em uma universidade brasileira, aconselho ir preparado com conhecimentos básicos e técnicos suficientes para aguentar o volume de atividades e conteúdos durante o curso, em todos os semestres. Por outro lado, é necessário estar focado, com o objetivo de estudar, porque as dificuldades existirão. Mas, com fé, com foco e determinação, a vitória é uma certeza.

10. Para aqueles que já estudam no Brasil, qual a melhor forma de aproveitar essa experiência ao máximo?
Para quem já se encontra em território brasileiro, desejo coragem e determinação. Recomendo evitar festas em excesso, sobretudo em semana de provas ou atividades fundamentais da graduação. Também é importante fazer amizade com brasileiros estudiosos, porque isso acelera o processo de socialização e adaptação com os hábitos e costumes dos professores brasileiros. Por fim, não esqueça de renovar o seu visto de estudante todos os anos na Polícia Federal.
A trajetória de Jaime Guedes mostra como a educação pode transformar realidades e construir pontes entre nações. Sua história de superação, desde as dificuldades iniciais no Brasil até o sucesso como professor e empreendedor em Angola, revela o impacto duradouro que uma oportunidade acadêmica pode ter na vida de um jovem africano com alto potencial de liderança. Jaime exemplifica a resiliência e o potencial dos estudantes dos PALOP que buscam conhecimento no exterior, reforçando a importância de iniciativas como o PEC-G para o desenvolvimento do continente africano.
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